Ideologia Desmascarada - 21 de outubro de 2013
Os
homens de esquerda estão longe de ser santos. E os de direita também. Todos
têm suas vaidades. A diferença é que a vaidade do esquerdista apenas tem
sentido dentro do projeto de poder de sua ideologia, que está associada ao
partido. Um homem de esquerda, fora do projeto de poder ideológico, não é nada.
Portanto, mesmo suas vaidades dependem do partido para sobreviverem. Por isso,
quando alguma vaidade pessoal ameaça atrapalhar os planos maiores do partido, sufocá-la
é muito fácil. Basta afastar o sujeito do grupo. Como uma folha sem caule, ele
morre. Dessa forma, as vaidades são absorvidas pela ideologia. Elas existem,
mas acabam sempre se manifestando nos limites do interesse do partido.
As
vaidades direitistas, de maneira diferente, são muito mais difíceis de serem
sufocadas. Elas subsistem individualmente. Elas se manifestam no orgulho do
projeto individual, da livre iniciativa, do amor próprio. Assim, o homem de direita não
depende dos projetos partidários para se vangloriar pelos seus próprios feitos.
Ele se basta e sobrevive mesmo só. Por isso, entre os direitistas as
divergências são muito mais difíceis de serem contidas. Não há, claramente, uma
ideologia que os norteie. Não há algo que indubitavelmente seja comum a todos;
algo que os una. Entre eles, qualquer diferença pode ser decisiva
para determinar um afastamento.
Por causa disso, a esquerda sempre foi mais
coesa em suas lutas e mais eficiente em sufocar vaidades. Como há um projeto maior que envolve todos os grupos e ao
qual todos se submetem, as lideranças esquerdistas costumam não temer a
extirpação de dissidências internas que eles considerem incômodas para a
sequência dos planos de poder. E isso, longe de enfraquecer o movimento,
torna-o ainda mais coeso. Ocorre dessa maneira porque o esquerdismo costuma ser
um projeto de dominação, com natureza totalitária. A demonstração de força,
desde o princípio, ainda que contra dissidências internas, torna-se uma
manifestação do poder da liderança que faz com que a militância sinta-se ainda
mais confiante.
A direita, por seu lado, não têm projeto de poder
comum, mas apenas projetos individuais, no máximo grupais. Por isso, sequer
pode-se falar em dissidências. Podem existir projetos paralelos, às vezes até
semelhantes, às vezes até contra inimigos comuns, mas cada qual com seus
próprios planos e objetivos muito particulares. Nem se cogita sufocamento de
oposições internas, pois cada grupo representa uma visão, um projeto, uma
finalidade. Por estar ausente a natureza totalitária típica do esquerdismo, a direita está fadada a sempre ser bem mais fragmentada.
Na
esquerda, há apenas uma moral: aquela que se refere ao projeto de poder de sua
ideologia. Os pecados individuais apenas são considerados quando afetam, de
alguma maneira, esse projeto. Houve tempos que os esquerdistas tinham uma moral
rígida, que até se assemelhava a uma moral cristã. Mas essa moralidade existia
enquanto se acreditava que tais atitudes atrapalhavam o perfeito
desenvolvimento da militância. A pedra de toque do comportamento esquerdista
sempre foi a ideologia. Por isso, nas esquerdas é possível conviver
tranquilamente com corruptos, enganadores, falsários, fraudadores e assassinos.
Claro, desde que tais crimes não sejam cometidos contra o partido ou contra a
ideologia diretamente. Se forem a favor ou para facilitar o projeto de poder,
os criminosos costumam ser inclusive honrados pela militância.
Do lado dos direitistas não há uma regra de conduta única, nem um modelo uniforme de
comportamento. Há direitistas conservadores, como direitistas liberais, como há cristãos e também ateus, por
exemplo. Isso, aparentemente, seria uma vantagem para a direita, já que
não haveria a necessidade de impor formas de conduta específicas, o que teoricamente
daria mais liberdade de ação. Porém, o que acontece é exatamente o contrário.
Por não haver um modelo de conduta, há diversos modelos. Dessa forma,
multiplicam-se as regras e exigências morais e comportamentais. O que parecia
liberdade torna-se um constante foco de conflitos e exigências. E pior, sem
possibilidade de composição, já que o que é inegociável para um grupo, pode não
ser para outro e o que é um erro para um grupo, pode ser até a bandeira de
outro. Cada grupo exige que o outro se alinhe completamente em sua visão de
mundo e sua ética própria. Como isso é impossível, cada qual acaba trabalhando
isoladamente por seu lado.
Qual
seria, então, o segredo da direita americana, que, de alguma maneira,
consegue ainda manter uma igualdade de forças com os esquerdistas?
Para
entender isso, devemos lembrar que os Estados Unidos da América foram formados
sob uma bandeira cristã. Aquele país cria em um sonho imperial de ser, conforme
a doutrina do Destino Manifesto, realmente um povo eleito por Deus pra cumprir
a vontade divina. Assim, os princípios cristãos, alicerces de toda a política
americana, impregnaram-se na sociedade e na cultura. Por isso, quando começou a
manifestar-se algum progressismo na América e mesmo depois, com um esquerdismo
mais declarado, estes não puderam trabalhar fora dos limites de uma ética
cristã, ainda que apenas exterior. Não que os políticos americanos sejam
exemplares ou modelos de homens religiosos, mas há, na cultura americana, ainda
fortes resquícios de uma ética cristã que obriga a todos, inclusive os
políticos de esquerda. Dessa forma, aquilo que faz a esquerda mundial ter como
vantagem, que é apenas responder pelos seus atos segundo uma ética própria, nos
Estados Unidos isso não acontece. Esquerdistas e conservadores americanos estão,
de alguma maneira, limitados pelas mesmas regras. Até quando isso vai durar, é impossível saber, mas é certo que tem servido para equilibrar o jogo político naquele país.