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A livre interpretação bíblica protestante

31 de outubro de 2012

Um dos argumentos mais incisivos dos católicos contra o protestantismo é em relação à chamada livre interpretação bíblica que os protestantes pretensamente praticam. Dizem que aqueles que seguem os preceitos reformados erram ao acreditar que cada cristão tem a liberdade de interpretar as Escrituras como bem lhe aprouver. Me lembro que esse era um dos argumentos favoritos do falecido senhor Orlando Fedéli e ainda muito repetido entre os católicos. Estes, rechaçam a suposta liberdade protestante afirmando que os homens comuns não têm autoridade para interpretar a Bíblia, pois somente a Igreja, por meio de seus representantes maiores, pode fazer isso. Ocorre que tais afirmações são, de alguma maneira, simplistas e não encontram a questão principal do problema. 

A interpretação livre das Escrituras, como preceito protestante, longe de ser um conceito relativista, que permite que cada pessoa tenha sua verdade e esta verdade tenha valor espiritual, é, de fato, uma chamada à responsabilidade de cada homem à busca da compreensão da verdade da maneira mais honesta possível. Ao se responsabilizar pela interpretação que faz da Bíblia, o protestante se coloca diante de Deus como aquele que dá contas pelo que faz. Ao interpretar erroneamente, seja por culpa, dolo ou má-fé, sabe que isso lhe será imputado. 

Em nenhum momento, o protestante pode alegar que outra pessoa lhe fez entender as Escrituras de maneira equivocada, pois a responsabilidade é sua de procurar a ajuda do Espírito Santo para que sua compreensão da Revelação seja correta. 

No entanto, qual a interpretação correta, se cada pessoa faz essa busca individualmente? Ora, da mesma maneira que interpretamos a realidade, interpretamos a Bíblia. Da mesma forma que não temos a liberdade de dizer que um elefante é cor-de-rosa e tem asas para voar, não temos a liberdade de trazer às Escrituras verdades que nela não estejam contidas. Na verdade, liberdade temos, mas isso não quer dizer que o absurdo que eventualmente dizemos tenha algum valor. 

A responsabilidade de cada protestante é ser honesto o suficiente, e sábio o bastante, para compreender as palavras bíblicas em seu sentido real e mais profundo. E essa busca apenas pode se dar no âmbito individual. Isso não quer dizer que não possam haver intérpretes e mestres que ensinem a Palavra. Porém, mesmo estes, ao ensinarem, devem ser postos constantemente à prova, a fim de ser possível saber se o que falam está de acordo com que as Escrituras ensinam.

Da mesma forma como a realidade fala com o homem, as Escrituras falam com os cristãos. Da mesma maneira que ninguém pode acrescentar realidade ao mundo, mas, somente, absorvê-la e compreendê-la, a Bíblia não pode sofrer acréscimos, mas ser simplesmente compreendida. E a veracidade de cada interpretação depende de sua aproximação com a realidade.

Quanto aos meus amigos católicos, no fundo, apesar de aceitarem a hierarquia interpretativa, na prática acabam tendo que agir, muitas vezes, como protestantes, procurando encontrar o sentido real e mais profundo do que está escrito na Bíblia. Isso porque, tantas vezes, os dogmas não parecem claros, e algumas vezes nem corretos. Então, o esforço que fazem é tentar descobrir e entender o real sentido desses dogmas a fim de coaduná-los com o real sentido das Escrituras. Ao fazerem isso, acabam, como os protestantes, exercitando suas capacidades interpretativas e se lançando à compreensão individual dessas realidades. A diferença se encontra apenas no fato de os católicos crerem que os dogmas são inerrantes, juntamente com as Escrituras, enquanto apenas estas são inerrantes para os protestantes. No entanto, o esforço pela interpretação correta acaba sendo idêntico entre ambos cristãos e isso não pode ser ignorado.

Me parece que, no fim das contas, todos os cristãos, diante da complexidade da vida moderna, do excesso de informações e diversidade de interpretações bíblicas, estão se esforçando para, em suas lutas individuais, não se deixarem perder por ensinamentos que os afastem de Cristo. Para isso, precisam, ao menos neste ponto, agir como protestantes e, clamando pelo auxílio do Espírito Santo (aliás como Justino, o mártir, já ensinava), se abrir para que o real sentido das Escrituras seja bem compreendido e corretamente absorvido pelo espírito de cada um.

3 comentários:

  1. Ótima refutação do argumento católico. Mostra de que o Espírito Santo nos capacita para compreender a palavra de Deus. Parabéns!

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  2. Ouso discordar do colega anterior e do raciocínio desenvolvido no texto quanto à busca individual da interpretação, tendo em vista as palavras do próprio Jesus Cristo que estão na Bíblia onde ele disse a Simão Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei minha Igreja, considerando ainda que em outra passagem bíblica Jesus disse a Pedro e aos apóstolos que tudo que eles ligassem na Terra seria ligado no céu, considerando também a descida do Espírito Santo nos apóstolos, em pentecostes. A Igreja primitiva dos apóstolos era amparada e inspirada pelo Espírito Santo. Os bispos são sucessores dos apóstolos e o Papa é o sucessor de Pedro. A Igreja católica é a igreja primitiva dos apóstolos, portanto, sua interpretação é inspirada pelo Espírito Santo, desde os primórdios do Cristianismo, quando ainda nem existia o Novo Testamento escrito. Com todo o respeito, creio que essa interpretação pessoal, na verdade, implica no surgimento de doutrinas personalisadas e moldadas conforme a conveniência de cada um.

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    1. Apesar de todo o meu argumento, não posso discordar que a livre interpretação gera interpretações errôneas. No entanto, apenas considero isso um efeito da liberdade da busca da verdade.

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